Vivemos em constante adaptação, atravessando um fluxo interminável de transformações que, por vezes, disfarçamos sob a ilusão de controle e previsibilidade. Estruturamos nossas vidas em rotinas que nos oferecem conforto, em caminhos que já testamos e reconhecemos como fontes de alegria. Ainda assim, a impermanência nos alcança. A novidade está sempre lá, subjacente, lembrando-nos de que viver é intrinsecamente inédito.
Essa reflexão é particularmente evidente nos esportes. O movimento corporal é um microcosmo da imprevisibilidade da existência. Cada atividade — seja correr, nadar, pedalar ou escalar — nos coloca frente às adversidades, e o desfecho nunca é garantido. Tudo que sabemos é que há um objetivo: completar o percurso, atingir a meta. O caminho, no entanto, é repleto de incertezas, exigindo uma administração constante das demandas físicas e mentais.
Essa “administração” não é uma ciência exata, mas um aprendizado continuo de como lidar com o desconforto. O primeiro desafio que emerge é fisiológico: o corpo, antes em repouso, é despertado por um movimento deliberado. Músculos, tendões, articulações, o coração e o sistema circulatório, todos são convocados. Esse despertar, longe de ser imediato, traz consigo um desconforto agudo.
É nesse instante que os pensamentos intrusivos aparecem: “Isso não está certo”, “Talvez seja melhor desistir”. Esses pensamentos, frutos de uma mente que busca economizar energia e evitar a dor, precisam ser recebidos com uma lucidez deliberada. Decidir desistir ou continuar requer mais do que uma reação impulsiva; exige a capacidade de permanecer presente, observando o que de fato está ocorrendo no corpo e na mente.
E aqui entra a respiração. Concentrar-se nela é um ponto de ancoragem. O simples ato de respirar de forma consciente desloca a atenção dos pensamentos perturbadores para o presente imediato. A respiração não apenas regula o corpo, mas também organiza a mente. Coloca-nos em posição de observadores, permitindo uma compreensão mais ampla das sensações e pensamentos. Essa observação traz a responsabilidade de decidir com clareza: continuar ou parar?
Imagine um corredor nos primeiros cinco minutos de uma corrida. O corpo reclama, os pensamentos incitam a desistência. Mas ele sabe que o desconforto inicial faz parte do processo. Ele se preparou para estar ali. Ao focar na respiração, ele resiste à pressão de decidir precipitadamente. Permite que o corpo aqueça, que o movimento se torne natural. E, ao persistir, descobre que aquele incômodo inicial era transitório. O corpo responde, adapta-se, e os quilômetros passam.
Ao final, o que se revela não é apenas uma conquista física, mas uma demonstração concreta de uma sabedoria interna. Uma lição que transcende o esporte e se aplica à vida: diante da inevitável incerteza, o caminho é estar presente, observar, aceitar e agir com responsabilidade.
Comments