A confiança é uma escolha corajosa. Confiar em alguém é como entregar uma parte de nós mesmos a essa pessoa, uma fração de nossa essência que deixamos de controlar. Essa parte, embora ainda seja nossa, agora está nas mãos do outro, e essa entrega envolve incertezas. Talvez ele ou ela não cuide da mesma forma que nós cuidaríamos. Talvez ela o faça de maneira diferente, mas igualmente valiosa.
Uma maneira de aprofundar essa reflexão é recorrer ao Yoga, mais especificamente ao conceito de Ishvara Pranidhana, mencionado nos Yoga Sutras de Patanjali como um dos cinco Niyamas. Os Yamas e Niyamas são os fundamentos éticos do Yoga, os alicerces que sustentam a prática e a vida de um yogi. Ishvara Pranidhana nos ensina que o foco não deve estar em controlar o futuro ou tentar mudar o passado, mas em cultivar ações corretas, sem temer os resultados.
Praticar o Yoga é isso, aceitar que nem sempre os resultados serão como esperamos, e aprender a enxergar cada escolha como uma oportunidade de crescimento e evolução. Ao entregar o fruto da prática a uma inteligência superior e universal, confiamos no fluxo natural da vida, sabendo que, seja qual for o desfecho, podemos aprender e seguir em frente.
No ciclismo, essa entrega pode ser desafiadora. Por exemplo, ao pedalar com alguém, há dias em que me sinto hesitante em aproveitar o vácuo e pedalar bem próximo, roda com roda. Prefiro manter uma distância segura, confiando apenas no que meus próprios olhos veem. No entanto, percebo que essa escolha, muitas vezes, não vem de um instinto saudável de autopreservação, mas de uma falta de confiança no outro.
Ao refletir sobre isso, vejo que confiar implica vulnerabilidade. Quem está à frente no pedal tem uma visão clara do caminho, enquanto quem segue atrás confia cegamente nessa orientação. A responsabilidade de quem lidera é grande, pois ambos dependem dessa confiança mútua. Ninguém quer prejudicar o outro, até porque, seria desastroso para ambos.
Mas é justamente aí que reside o ponto crucial: não há como avançar juntos, como ser uma equipe, sem deixar parte de nós nas mãos do outro. É nesse ato de confiança que crescemos e evoluímos. Entregar-se ao processo, seja na prática do Yoga ou em qualquer aspecto da vida, é confiar que, mesmo sem controle total, estamos em boas mãos – seja as nossas, as do outro ou as da própria vida.
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